Dos Recomeços

novembro 09, 2017



"Recomeça....
Se puderes
Sem angústia

E sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,
Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar e vendo
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças..."

Miguel Torga TORGA, M., Diário XIII.


 Quantas vezes é que já recomecei? Penso que daria um livro completo. É que eu sou sempre feita de pequenas mortes aqui e ali e aqui e ali vou reinventando tudo o que sei acerca de mim. Por vezes as mortes são graves e longas e eu demoro mais tempo que o normal a construir-me de novo - procuro nos lugares mais inóspitos e junto, pouco a pouco, pequenas memórias e core issues. Histórias que me mudaram o movimento das mãos e palavras que me desfizeram a cavidade do peito. Quantas vezes é que já recomecei?
É apenas mais uma vez. 

Visito hoje, novamente, as palavras. Deixo-vos partilhar esta visita. Deixo-vos comungar das saudades que tinha delas e do quão perdida me vi sem o seu aconchego perene. Eu deixei-as na parte de trás do crânio, fui viver a vida porta fora como se pudesse viver a vida porta fora sem a minha principal característica. Sem o sempre guia, as sempre professoras, o sempre amor. Sem o lugar casa para voltar quando a vida do lado de fora da porta do lugar casa se tornasse insuportável. - E não é que acaba sempre por se tornar? Seja hoje ou amanhã. Por três segundos, 24 horas, ou meses a fio. 

Ainda não sei bem das metamorfoses deste último ano. Estou a tentar compreende-las uma a uma e uma a uma elas são enormes só por si. Estou a tentar saber-me eu nas metamorfoses que me fizeram eu e no eu que eu não sei bem quem é a um dia de festejar novamente a minha vinda ao mundo. (Nunca ninguém me disse do estranho lugar que é o mundo quando deixamos a infância dos sonhos e passamos a viver nele.)

Não vos peço, na verdade, que fiquem. Peço-vos que vão passando, um dia por outro, e me contem das vossas mal compreendidas metamorfoses. - Podemos falar do que dói? E do que nos alegra até ao fundo da alma? É que é disso que eu quero falar com vocês. 
Dos vossos recomeços. Dos vossos, "é apenas mais uma vez". 
Podemos admitir o que é ser humano juntos? 

Para mim ser humano é carregar, e lembrar que carrego, no meu pulso um ponto e virgula. Um ponto e vírgula para sempre. Mas isso é outra história. 

Quantas vezes é que já recomecei? Espero que seja desta a vez. 





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